Morre Emílio Santiago

Morre Emílio Santiago

É com tristeza que a FUNJOR comunica o falecimento do artista e associado Emílio Santiago, aos 66 anos. O cantor estava Internado no hospital Samaritano (RJ), desde o dia 7 de março, após sofrer um AVC.

Sempre interessado e atento ao trabalho da FUNJOR foi um dos primeiros artistas a manifestar apoio ao trabalho da instituição.  Deixa uma importante obra. Principalmente, com relação ao resgate da memória musical brasileira.

 

 

 

UM ADEUS NO ESPELHO PARA EMÍLIO SANTIAGO

Arrasa lá, negão!” … Após o grito de incentivo de Elis Regina, um carioca negro, pobre, filho de empregada doméstica com um motorista de praça e estudante da Faculdade Nacional de Direito, resolveu vencer o preconceito, mudar o seu destino e deu, no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, o primeiro grande passo de uma vitoriosa carreira. Flávio Cavalcanti pediu “um instante maestro” e abriu espaço para o surgimento de um cantor especial. Passaram-se mais de 40 anos e, no dia 20 de março de 2013, Emílio Vitalino Santiago deixou a vida para Emílio Santiago entrar na história da Música Popular Brasileira.

Partiu uma estrela que iluminou diversos palcos das mais variadas cidades do Brasil e exterior. Com ou sem luz néon, seu brilho silenciava qualquer outro som que não fosse o da música que interpretava. Sua voz potente, uma postura diferenciada e elegância na forma de cantar formaram um conjunto harmônico que encantou plateias pelo mundo. Era educado e leve em seus gestos. Seu repertório poderia ser intitulado como ‘de fino trato´. Inspirado pela geração de Silvio Caldas, Orlando Silva, Francisco Alves, Nélson Gonçalves e Cauby Peixoto, soltava a voz. Na escola dos bailes comandados pela orquestra de Ed Lincon evoluiu como intérprete e amadureceu sua postura de palco. Trocou amores pela carreira e definiu sua arte como “uma missão, uma dádiva”. Segundo crítica do New York Times, após uma temporada de sucesso pela América, foi definido como o “Nat King Cole brasileiro”. Emílio brincou de se entregar. Sonhou para não dormir.

Em 1988, na contramão dos estilos ‘Sertanejo’ ou ‘Axé´ que tomavam conta do Brasil e em uma via de resgate das raízes brasileiras proposta pelo ´Rock Brasil´, Roberto Menescal e Heleno Oliveira convidaram Emílio para um projeto que iria mudar sua vida e carimbar definitivamente o seu sucesso: Aquarela Brasileira. Com o título inspirado na famosa música de Ary Barroso e lançado pela gravadora Som Livre, o disco fez o cantor ganhar diversos prêmios e ampliar seu espaço artístico. Com arranjos muito bem elaborados e a suavidade do seu timbre, Emílio deu novas cores a clássicos de Paulo Sérgio Valle, Benito di Paula, Johnny Alf, Silvio César, Paulo Vanzolini, Délcio Carvalho e outros importantes compositores da MPB. O êxito rendeu mais seis discos com especial seleção baseada em regravação de grandes sucessos brasileiros. O interesse no resgate, releitura e respeito aos tradicionais cantores e compositores transformou-se em marca na seleção do seu repertório.

Em uma primeira impressão, Emílio poderia transparecer uma figura antipática. Porém, logo ficava claro que a sua timidez era muito presente. Ele dizia que o “palco funciona como terapia aos introvertidos” e usou-o como divã. Morador do Flamengo e sempre interessado nas ações da FUNJOR (instituição filantrópica de apoio à arte que surgiu na Marquês de Abrantes), travávamos bons papos nas esquinas do bairro. Compartilhei seu conhecimento de pesquisador musical e constatei sua preocupação com os colegas que passavam por dificuldades ou estavam esquecidos. Inclusive, acabei tendo a honra de dirigi-lo, através de parceria com Ruy Faria (MPB4), em uma apresentação especial no show de lançamento do último CD da cantora Emilinha Borba – querida amiga e outro ícone da música.

Meias palavras ou tantas palavras ainda poderiam ser escritas para descrever o sentimento de um ídolo e amigo que parte tão prematuramente. Com lágrimas nos olhos, o cantor Agnaldo Timóteo sentenciou o sentimento de muitos aos jornalistas que o cercaram durante o velório do colega: “Hoje em dia, ter 66 anos é ser ainda muito jovem. Ele merecia desfrutar mais de sua vida e seu sucesso”. As dezenas de coroas transportadas pelos bombeiros, a comoção social e as diversas mensagens recebidas confirmam que ninguém pensava que ele iria nos deixar. Agora, mais uma estrela brilha na escuridão e, a cada anoitecer, esperaremos você voltar para (cantar) ´Saigon´. 

Luiz Murillo Tobias
Engenheiro e Jornalista

(Artigo publicado no Jornal VIA, em abril de 2013)

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